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História do japão - Eras 6, 7 e 8

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  • História do japão - Eras 6, 7 e 8



    Era Heian

    Os grandes latifúndios
    Para fugir da miséria, os camponeses procuraram refúgio nos shôen, terras originárias do aumento da população e da consequente falta de terreno para distribuição entre os habitantes.
    Chama-se Era Heian o período que se inicia em 794, com a mudança da capital para a cidade de Heian (actual kyoto), até 1185, quando Yoritomo, chefe do clã Minamoto, se instala em Kamakura (actual província de Kanagawa). Ao todo, foram praticamente 400 anos nos quais a nobreza reinou com requinte e glamour.

    Política
    No final da Era Nara (710~794), para tentar fugir da vida miserável, os camponeses procuraram refúgio nos latifúndios dos nobres, em grandes templos e em clãs regionais, ou abandonaram suas terras e optaram por uma vida sem rumo. Os latifúndios eram chamados de shôen e surgiram como resultado da flexibilização das leis que norteavam o sistema político de ritsuryô. Os shôen originaram-se do aumento da população e da consequente falta de terreno para distribuição entre os habitantes. Para solucionar a falta de terras públicas produtivas, a corte abrandou as leis do ritsuryô e permitiu a privatização dos terrenos para exploração, expedindo a lei que isentava o pagamento de impostos sobre os terrenos recém - explorados. Assim, templos xintoístas e budistas, clãs regionais e nobres foram ampliando cada vez mais os seus shôen, tendo à disposição maior número de mão-de-obra e de utensílios agrícolas. Entre os pequenos proprietários, alguns optaram por doar suas terras para grandes senhores de shôen, a fim de se tornarem funcionários públicos e administradores dos latifúndios.
    Com dificuldades, os camponeses venderam suas terras aos nobres, aos templos e aos grandes clãs, transformando-se em arrendatários. Assim, tentavam livrar-se do pesado imposto, que passou a ser responsabilidade do senhor do shôen, cabendo aos arrendatários o pagamento de um pequeno tributo fundiário anual ao senhor das terras. Isso diminuiu o arrecadamento de impostos e afectou o cofre público. A corte cobrava impostos sobre as terras, e não sobre a pessoa física. Entretanto, a falta de autoridade dos kokushi (espécie de Presidente da Câmara) estimulou os senhores de terras a encontrarem formas de impedir a entrada daqueles em suas propriedades, agindo à revelia do governo ao não pagarem impostos e exercerem o direito de policiamento dentro dos shôen. Os senhores de terras ficavam em Kyoto, enquanto seus administradores tomavam conta dos shôen. Recebendo formação voltada para o combate militar, esses administradores organizavam-se em grupos chefiados por herdeiros de famílias nobres, que, mais tarde, dariam origem à classe dos samurais.

    Economia
    Além da economia monetária, em fins dos séculos X e XI, a agricultura teve o impulso do desenvolvimento tecnológico. Os utensílios de ferro, anteriormente exclusivos de nobres e senhores de terras, foram popularizados, chegando aos camponeses. Bois e cavalos passaram a ser utilizados na agricultura e, como fertilizante, iniciou-se o emprego do adubo animal, além do capim e das cinzas. Tudo isso aumentou a produção das colheitas. As actividades madeireira e pesqueira também foram intensificadas nesse período.

    A ascensão da família Fujiwara
    Descendente de Nakatomi-no-Kamatari (posteriormente Fujiwara-no-Kamatari), que contribuiu para a consolidação da Reforma de Taika, a família Fujiwara ampliou o seu poder político assegurada pela fortuna proveniente de seu imenso shôen. Fujiwara-no-Michinaga (966~1027) conseguiu a façanha de casar suas cinco filhas com imperadores. Na qualidade de parente por afinidade, ele tornou-se regente do neto (sesshô) e, após o crescimento do imperador, tornou-se plenipotenciário (kanpaku). Assim, foi introduzido o sistema de governo com participação indirecta do imperador.

    Extinção de kentô-shi (missão a Tang)
    Com o enfraquecimento político da dinastia reinante na China, as missões a Tang foram suspensas. A chegada constante de navios carregados de mercadorias todos os anos ao Japão permitia a absorção de novos conhecimentos por meio dos mercadores. Assim, o fim das missões representava também economia de gastos e riscos. A extinção de kentô-shi partiu de Sugawara-no-Michizane (845~903), conhecido até hoje como o deus dos estudos e da sabedoria. Michizane foi um estudioso que chegou ao grau máximo da hierarquia, ou seja, udajin (primeiro-ministro). O comércio com a China voltaria a intensificar-se cinquenta anos depois, já na dinastia Sung.
    Sugawara-no-Michizane tornou-se vítima de uma conspiração da poderosa família Fujiwara e foi deportado para a comarca do norte da ilha de Kyushu, o forte de Dazai (actual província de Fukuoka), onde faleceu. Posteriormente, espalhou-se a crença de que sua alma, injustiçada em vida, trouxe doenças à capital, forçando a criação de muitos templos xintoístas, a fim de acalmar sua suposta fúria e deter a praga. Ainda hoje, muitos estudantes fazem romaria a esses templos para pedir a graça de Michizane e obter bons resultados nos estudos.

    O surgimento dos samurais
    Confrontos e revoltas históricas marcaram o surgimento de uma nova classe social: a dos samurais.
    A Era Heian marcou o surgimento e a ascensão dos samurais e de seus principais clãs, que entraram para a história do arquipélago com suas lutas e revoltas, episódios nos quais eles mediram forças na luta pelo poder. Essa nova classe passou a integrar a estrutura social da época ao lado da nobreza tradicional.
    Surgimento da classe dos bushi (samurai)
    Enquanto a nobreza, liderada pela família Fujiwara, levava uma vida de muito luxo e requinte, os senhores rurais, donos de shôen, foram aumentando o seu poder de combate treinando guerreiros primeiro para proteger suas terras da invasão alheia, depois para conquistar novas terras. Esses senhores rurais tornaram-se funcionários de kokushi (Presidente da Câmara), administradores rurais ou guardiães das terras, recebendo títulos de nobreza ínfima. Eles passaram a liderar grupos de guerreiros, ou seja, de bushi, que nutriam grande admiração pela vida luxuosa da capital. Assim, os nobres enviados ao interior como kokushi pela corte Yamato recebiam tratamento especial, extremamente respeitoso.
    Dessa forma, entre os nobres mandados para o interior como kokushi, surgiram aqueles que preferiram permanecer no campo, mesmo após o término do seu mandato, já que não havia perspectiva de uma vida melhor na capital. Alguns nobres que optaram pela vida rural formavam seus grupos de bushi (samurai), formando tropas de combate e tornando-se seus líderes, iniciando, dessa forma, a criação dos clãs.

    A Revolta de Masakado
    Em 939, Taira-no-Masakado reuniu os bushi insatisfeitos com os enviados da corte que governavam as suas regiões e voltou-se contra o poder da capital. Declarou-se imperador e iniciou a revolta contra os nobres da capital, atribuindo poderes aos bushi, seus seguidores.
    A revolta de Masakado foi contida por Fujiwara-no-Hidesato, outro nobre que se tinha instalando no interior (actual província de Tochigi) e pelo seu primo, Taira-no-Sadamori. Masakado morreu durante a batalha.

    Famílias Minamoto e Taira
    Com o objectivo de reconquistar o controle do país e refrear o poder da família Fujiwara, o imperador Gosanjô (1034~1073) criou o sistema de insei, pelo qual foi introduzido o cargo supremo de jôkô, que conferia ao imperador que abdicou o poder de governar em nome do novo imperador. Assim, Gosanjô abdicou do trono em favor de Shirakawa (1053~1129) e tornou-se jôkô, governando o país pelo sistema diárquico. Por não ter nenhum parentesco com a família Fujiwara, Gosanjô conseguiu governar o país livremente ao longo de 43 anos como jôkô de três imperadores, contando com a protecção de Minamoto-no-Yoshiie. Enviada para combater os povos de Ezo, a família Minamoto pediu auxílio aos guerreiros da região leste da ilha principal do Japão, com os quais conseguiu vencer a batalha e criou fortes laços. Para conter o crescente poder dos Minamoto, Gosanjô encarregou também a família Taira do serviço de protecção.
    Uma guerra entre as famílias destacou-as no panorama político pela primeira vez na história do Japão, em 1156, com a Revolta de Hôgen. Em 1159, a Revolta de Heiji colocou frente a frente os Minamoto e os Taira na luta pelo poder. A batalha foi vencida pela família Taira, que passou a controlar politicamente o Japão. Em 1168, Taira-no-Kiyomori (1118~1181), chefe da família Taira, ocupou o cargo de ministro, dajô-daijin, tornando-se o primeiro samurai a ocupar tal posição. A família Genji ficou, então, à espera da vingança.
    Minamoto-no-Yoritomo da família Genji, que havia sido exilado em Izu-no-Kuni (província de Shizuoka), junto com seu sogro, Hôjô Tokimasa, atacou a família Taira em Izu-no-Kuni, mas foi derrotado. Porém os comandantes de guerreiros da região de Kantô juntaram-se a Minamoto-no-Yoritomo. Seu irmão, Yoshitsune, conhecido por sua bravura, também saiu de Ôshu-Hiraizumi (província de Iwate) e passou a lutar ao lado de Yoritomo, que conseguiu, lentamente, instalar-se em Kamakura.
    Acometido por uma febre alta, Kiyomori faleceu pedindo, em seu leito de morte, a cabeça de Yoritomo, em 1181.
    O último confronto entre os sobreviventes da família Taira e as tropas de Genji aconteceu na Baía de Dan-no-Ura (província de Yamaguchi). A batalha foi vencida pelas tropas de Genji, em 1185. O pequeno imperador Antoku, neto de Taira-no-Kiyomori, morreu junto com sua mãe, filha de Kiyomori, nessa batalha, encerrando, assim, a Era Heian. Em 1192, Minamoto-no-Yoritomo instalou-se em Kamakura, dando início ao shogunato Kamakura. Esse foi o começo da era dos samurais no Japão.

    A ascensão e a queda da família Taira, ou seja, Heike, pois a leitura chinesa do ideograma da família Taira é = Heike, foram narradas pelos biwa-hôshi, uma espécie de menestrel. A sua narrativa é conhecida como Heike-Monogatari (contos da família Heike), cujo tema central é a efemeridade da vida.

    A vida na corte
    Enquanto os bushi levavam uma vida austera, dedicando-se ao aperfeiçoamento de artes marciais, os nobres esmeravam-se em luxo e requinte. Eles vestiam várias camadas de roupas e valorizavam as combinações das cores que se entreviam em golas, mangas e barras, no caso das mulheres. Assim, além da qualidade do tecido, os nobres preocupavam-se também com as cores e seus efeitos. Existiam algumas cores usadas conforme a classe social do indivíduo.
    Os nobres dessa época usavam em abundância a maquilhagem. Depilavam as sobrancelhas e desenhavam-nas com tinta de carvão. As mulheres adultas tingiam os dentes de preto.
    O perfume de incenso, que foi introduzido no Japão junto com o budismo, era usado no dia-a-dia pelos nobres. Cada um criava seu próprio perfume misturando no mínimo dois tipos de incensos. Os nobres perfumavam os seus trajes queimando os incensos para que suas roupas ficassem impregnadas com o perfume criado.
    A beleza feminina era medida pelo comprimento dos cabelos, que deviam ser longos, negros e sedosos. O máximo de beleza era ter cabelos mais longos que a própria altura, não ser muito magra e ter a pele bem branca.

    Hábitos alimentares dos nobres
    A alimentação da nobreza era modesta. O prato principal era o arroz, cozido com a água ou no vapor, acompanhado de peixes, carne de aves, verduras, algas e frutas. Os peixes eram, em sua maioria, secos ou conservados na salmoura. Por influência do budismo, muitos não consumiam peixes ou carnes, ficando desnutridos e doentes. A refeição era feita duas vezes ao dia, pela manhã e à tarde.

    Casamento na nobreza
    Os nobres não moravam juntos quando se casavam. O homem possuía residência própria e frequentava a casa da mulher, que tinha o dever de, com sua família, criar os filhos. A família da mulher também cuidava do marido, vestindo-o e alimentando-o. Tanto a mulher como o homem podiam manter relação com outros parceiros, porém sempre tratando a todos com igual respeito e consideração.
    Esse tipo de casamento explica o grande poder e influência que o sogro exercia sobre o imperador, ao casá-lo com sua filha, muito embora o monarca construísse uma residência para suas esposas, em vez de visitá-las na casa de seu sogro.

    Hiragana e a literatura
    A necessidade de expressar livremente os sentimentos do povo japonês impulsionou a escrita e a literatura da Era Heian, dominada pelas grandes mulheres.

    Por que surgiram os fonogramas hiragana e katakana?
    Os japoneses não conheciam a escrita até ter os primeiros contactos com a cultura chinesa, por volta do século V. À medida que os japoneses foram dominando a escrita (kanji ou ideogramas), a língua e a literatura chinesas, eles começaram a sentir as limitações de se adoptar essas formas de comunicação de um outro povo. Assim, para atender à necessidade de expressar livremente os sentimentos do povo japonês por escrito, foram criados os fonogramas hiragana e katakana, elaborados a partir do kanji.

    Origem de Man’yôgana
    Durante muito tempo, os japoneses liam os kanji à moda chinesa e tentavam entender o significado de cada letra, já que os kanji são ideogramas, ou seja, a transcrição da ideia e não do som, como é o caso da maioria das letras existentes. Pouco a pouco, os japoneses passaram a escolher a palavra adequada para cada kanji e lê-lo à moda japonesa. Por exemplo, o kanji que significa inverno é , sendo a leitura chinesa “dong”; porém, como em japonês inverno se diz “fuyu”, o kanji passou a ser lido “fuyu” também.
    À medida que as palavras japonesas também foram filtradas e unificadas, os japoneses tiveram a ideia de transcrevê-las aproveitando apenas o som, ou seja, a sua leitura, desprezando a ideia ou o significado do kanji. Por exemplo, “hana” (flor – ) passou a se escrever também , já que tem a leitura “ha” e , a leitura “na”. Esses ideogramas (kanji) empregados apenas como fonogramas receberam o nome de man’yôgana, já que foram utilizados na transcrição dos poemas japoneses reunidos na antologia intitulada Man’yôshu.

    Criação do hiragana
    A caligrafia empregue deixou de ser letras de traços rectos e definidos, adoptando o estilo cursivo, o chamado sôsho-tai, criado na China. Porém, no Japão, o estilo foi adquirindo características próprias, “simplificando” de tal forma os kanji a ponto de ficarem bem diferentes das letras originais. Desse estilo cursivo “simplificado”, nasceu o hiragana. Assim, o hiragana é um conjunto de letras mais curvilíneas.

    Criação do katakana
    Assim como o hiragana, o katakana também foi criado a partir dos kanji, mas possui características diferentes. O katakana surgiu como sinais gráficos para auxiliar na leitura de textos chineses, ou ainda, para serem inseridos nos poemas ou textos em estilo chinês, a fim de facilitar sua leitura e compreensão. Essas “letras complementares” ofereceram aos japoneses uma maior expressividade, já que podiam escrever com maior desenvoltura até diferenças delicadas e nuances dos sentimentos.
    O katakana foi criado com base em uma parte dos kanji, por isso seus traços são mais rectos e rígidos.
    O uso tanto do hiragana como do katakana consolidou-se no início do século X, em meados da Era Heian, e são empregados até os dias de hoje, juntamente com os kanji.
    A literatura em kana = literatura da nobreza
    Após a criação dos fonogramas kana, a literatura entre os nobres conheceu o seu apogeu, constituindo a era áurea dos waka – poemas japoneses. Esses poemas que enaltecem a natureza, as diferentes facetas das quatro estações e os elementos da natureza foram criados graças à existência dos kana. O modo de expressão dos poemas contribuiu muito na formação da consciência estética dos japoneses. Nos palácios do imperador e dos nobres, as reuniões para compor e apreciar os poemas tornaram-se cada vez mais frequentes, deixando de ser apenas um simples passatempo das mulheres. Saber compor poemas tornou-se um importante requisito para manter um convívio social entre os nobres da corte. A falta de interesse pela política ocorreu na mesma proporção em que se ampliou o círculo literário da nobreza.

    Obras clássicas
    O Tosa nikki (Diário de Tosa) foi escrito por volta do ano 934, por Ki-no-Tsurayuki e incentivou muitas mulheres a escreverem diários, estimulando a criação de muitas literaturas do género.
    Genji-Monogatari (Contos de Genji), escrito por Murasaki-Shikibu, por volta do ano 1001, é conhecido como uma obra literária clássica de maior volume. Descreve a elegante e requintada vida da corte, os sentimentos da personagem principal, Hikaru Genji, em relação às mulheres com quem se envolve e as intrigas pelo poder. Não se trata de uma simples ficção, mas se observa a preocupação de descrever os usos e costumes, assim como os pensamentos da Era Heian.
    Makura-no-sôshi é uma crónica escrita por Sei-Shônagon sobre a vida na corte, que descreve de forma vivaz, com sensibilidade aguçada e com genialidade, os hábitos do quotidiano da corte.
    Kokin Waka-shû é uma antologia de 20 volumes que reúne 1.100 poemas compilada por ordem imperial (chokusen-shû), datada do ano de 905.

    Rivalidade entre duas literatas
    Tanto a autora de Genji-Monogatari, Murasaki-Shikibu, como a de Makura-no-sôshi, Sei-Shônagon, pertenciam à classe média da nobreza e serviram à família imperial na mesma época. Foram duas mulheres que lideraram as tertúlias realizadas na corte. Sei-Shônagon possuía génio forte, fazendo questão de exibir o seu talento. Murasaki-Shikibu, uma mulher mais recatada e retraída, escreveu críticas severas em relação a essa atitude “exibicionista” de Sei-Shônagon no seu diário.
    Por serem os poemas a forma de literatura mais valorizada na Era Heian, as obras dessas duas mulheres, mesmo conquistando muitos leitores, ficaram relegadas a um segundo plano, encaradas como um passatempo de mulheres da corte. Ainda assim, a literatura da Era Heian floresceu graças às grandes mulheres.

    Era Heian e o budismo
    A história do budismo no arquipélago foi sedimentada pelo príncipe Shôtoku e encontrou sua sublimação com o monge Ganjin.
    O ser humano nasce puro e começa a viver em busca da plenitude no decorrer da vida, quando passa por altos e baixos, experimenta emoções e sentimentos diversos. Na juventude, só há olhos para a vida; com o amadurecimento, iniciam-se os questionamentos sobre a vida e o significado da morte. No empenho para se obter uma resposta, várias religiões foram criadas.
    No Japão, embora já existisse uma crença nativa entre o povo, o budismo foi acolhido e difundido entre a nobreza, por possuir um contexto teórico mais racional e por estar mais adequado ao temperamento pacífico dos japoneses e à integração com a natureza.
    A história do budismo no arquipélago foi sedimentada pelo príncipe Shôtoku e encontrou a sua sublimação com o monge Ganjin. Entretanto, foi na Era Heian que essa religião se transformou em uma cultura genuinamente nacional, isso porque foi no início desse período que foram introduzidas no Japão as seitas Tendai e Shingon.
    Os ensinamentos de jôdo (Terra Pura) do budismo foram difundidos em meados da Era Heian pelo desejo de deixar esta vida serenamente, entregando-se às mãos de Amidabutsu (divindade budista mais popular no Japão), e encontrar a paz eterna no paraíso.

    Monge Saichô e monge Kûkai
    No início da Era Heian, as seitas budistas que mais conquistaram adeptos foram a Tendai e a Shingon, lideradas pelo monge Saichô (767~822) e pelo monge Kûkai (744~835), respectivamente. Nessa época, o budismo ainda era a crença apenas da nobreza, não sendo cultivado pelo restante do povo. O sincretismo entre a doutrina budista e a crença xintoísta acentuou-se, chegando à construção de um templo budista no pátio de um templo xintoísta e à adoração de uma divindade regional como protectora de um templo budista. Criou-se também a crença de que os diversos deuses eram a reencarnação do Buda, que vinha para este mundo sob diversas formas para salvar os homens.
    O monge Saichô teve sua iniciação religiosa atraído pela doutrina da seita Tendai, fundada pelo grande mestre chinês Chigi (Tendai-Daishi Chigi), levada para o Japão pelo monge Ganjin. Saichô aproximou-se do imperador Kanmu e conseguiu, em 804, integrar a missão a Tang (kentô-shi) como missionário oficial, com direito a intérprete e a todas as mordomias de um representante oficial do país. O monge Kûkai também conseguiu viajar à China junto com essa missão, mas na qualidade de um simples bolsista particular.
    Durante os oito meses nos quais permaneceu na China (Dinastia Tang), Saichô reuniu sutras da seita Tendai, artes búdicas e estudou o budismo esotérico. Quando voltou ao Japão, ele dedicou-se de corpo e alma à fundação da seita Tendai no arquipélago.
    O monge Kûkai, por sua vez, permaneceu na China por aproximadamente três anos, visitando vários templos e encontrando-se com o famoso e conceituado monge chinês Keika, no Templo Seiryû, em Changan, do qual recebeu ensinamentos sobre o budismo esotérico. Kûkai também aprendeu sânscrito antes de voltar ao Japão, trazendo consigo além dos vastos conhecimentos adquiridos na China, diversas obras búdicas, como quadros, objectos sagrados e mandala.
    A morte do imperador Kanmu acabou com o prestígio que o monge Saichô tinha junto à nobreza, porque o imperador Saga, sucessor de Kanmu, demonstrou maior simpatia pelo monge Kûkai, que se consolidou como autoridade máxima do budismo esotérico. Em Kyoto, Saichô começou a transmitir os ensinamentos da seita Tendai instalando-se no Monte Hiei, e Kûkai fundou no Monte Kôya a base do budismo esotérico: a seita Shingon.
    Saichô e Kûkai, os dois grandes génios do mundo religioso, sempre tiveram a protecção dos nobres e dedicaram as suas vidas a manter a paz e a glória da nobreza e da corte. Eles foram os primeiros a receberem o título de Grande Mestre no Japão. O monge Saichô recebeu o título de Grande Mestre Dengyô (Dengyô Daishi); e o monge Kûkai, o de Grande Mestre Kôbô (Kôbô Daishi).

    O monge Kûya e a seita Jôdo
    No início do século X, com o enfraquecimento da corte de Yamato, os nobres que fixaram residência no interior e os grandes clãs regionais começaram a adquirir maior poder, iniciando lutas – que se tornaram cada vez mais acirradas com o passar dos anos – para aumentar os seus feudos.
    Nesse cenário de incertezas, surgiu o monge Kûya (903~972). Ele pregava entre o povo de Kyoto, que vivia sobressaltado com as lutas constantes, os flagelos provocados pela natureza e a fome. Kûya pregava a salvação pelo nenbutsu (oração budista), invocando o Buda Amidabutsu. Ele influenciou vários grandes monges e conquistou muitos adeptos entre o povo, pois levava uma vida ascética, compartilhando suas incertezas e seus sofrimentos, diferente dos monges confortavelmente protegidos pela nobreza. Entretanto, quem consolidou essa doutrina de salvação pelo nenbutsu para alcançar a Terra Pura (Jôdo) foi o monge Genshin (942~1017), que escreveu Ôjo Yôshu, uma obra que explica, num estilo primoroso, a teoria e a prática de salvação da alma pós-morte.
    O mappô shisô pregado pelo budismo, a progressiva crença no fim do mundo, fazia com que o povo de Kyoto, vítima constante de assaltos, epidemias e outras provações, tentasse encontrar a paz espiritual pelos ensinamentos da seita Jôdo, ou seja, a salvação no mundo da Terra Pura. Dessa forma, começaram a surgir várias “biografias” de pessoas que encontraram a suposta salvação, reunidas numa colectânea conhecida como Ôjo-den.
    Com a difusão da seita Jôdo – fundada pelo monge Hônen (1133~1212) em 1175, final da Era Heian – a sua arte também prosperou. Foram esculpidas muitas imagens do Buda Amidanyorai e construídos templos sumptuosos, na tentativa de recriar o gokuraku (paraíso dos budistas), sendo um dos mais conhecidos o Hôôdô do Templo Byôdoin, em Kyoto.

  • #2
    História do japão - Eras 6, 7 e 8



    Era Kamakura

    Consolidação da política dos samurais
    Depois de receber o título máximo dos samurais, Yoritomo faleceu e deu início ao regime regencial, comandado pelo clã Hôjô

    Após a vitória de Minamoto-no-Yoritomo (1147–1199) na Batalha de Dan-no-Ura – que pôs fim à Era Heian –, Yoritomo impôs o reconhecimento dos cargos de shugo (comandante de segurança nacional instalada em cada “nação”) e de jitô (administrador de shôen e cobrador de impostos), dando início à nova era dos samurais, ou seja, ao shogunato de Kamakura. O sistema de shogunato sobreviveu ao longo do tempo, até a restauração Meiji, em 1868.
    Os vassalos de Minamoto-no-Yoritomo eram chamados de gokenin, indivíduos que tiveram reconhecido as terras herdadas há várias gerações como propriedade particular, ou aqueles que receberam terras. Os vassalos beneficiados dessa forma passavam a dever fidelidade e serviços a Yoritomo. Foi assim que começou a era feudal japonesa, com Yoritomo nomeando seus principais gokenin para shugo e jitô, a fim de ficar com o controle das terras públicas e dos shôen (latifúndios), aumentando seu poder político. Em Kamakura, ele instalou os três poderes: o militar, denominado samurai-dokoro; o executivo, responsável pela administração e pelas finanças, denominado mandokoro; e do judiciário, denominado monchujo.
    Em 1192, Yoritomo recebeu o título máximo dos samurais, o de seii taishôgun, falecendo sete anos depois, em 1199, devido à sequela obtida quando caiu de um cavalo. A partir daí, uma série de assassinatos entre os homens que se revezavam no poder abriu espaço para a implementação do regime regencial: o filho primogénito de Yoritomo, Minamoto-no-Yoriie (1182–1215), de 18 anos, sucedeu-o no cargo, tornando-se o segundo shogun. Entretanto, ele foi assassinado por Hôjô Tokimasa (1138–1215), sogro de Yoritomo, pai de sua esposa Masako (1157–1225). Em 1203, Minamoto-no-Sanetomo (1192–1219), segundo filho de Yoritomo, tornou-se o terceiro shogun, mas foi assassinado pelo seu sobrinho, filho de Yoriie. Depois disso, outros shoguns assumiram o poder, mas o controle de facto ficou com o clã Hôjô e seu séquito, formado por 13 principais gokenin, com o chefe do executivo detendo o poder. Foi o início do regime regencial.
    A pena de exílio foi comutada pela primeira vez na História do Japão em 1221, quando a revolta liderada pelo imperador Gotoba foi contida; e o imperador, exilado. Bens e propriedades de nobres e de samurais que apoiaram o imperador Gotoba foram confiscados, e os gokenin que se destacaram na opressão da revolta foram nomeados jitô dessas terras confiscadas. Depois desse episódio, foi criado, em Kyoto, na cidade de Rokuhara, o Rokuhara Tandai, órgão do shogunato de Kamakura onde funcionavam os três poderes: militar, executivo e judiciário, para vigiarem a corte e controlarem os samurais da região oeste.

    Criação do Goseibai Shikimoku
    Em 1232, Hôjô Yasutoki (1183–1242), regente da época, instituiu o Goseibai Shikimoku, uma lei com 51 cláusulas, pois as leis vigentes, estabelecidas há mais de 500 anos, por sua complexidade, não eram compreendidas pelos samurais que viviam no interior, e isso poderia originar algum julgamento equivocado.

    Ataque mongol
    No século XIII, mais um nome fez história na Ásia: Gêngis Khan (1167–1237), líder do povo nómada da planície mongol, que unificou a Ásia Central. Os seus descendentes deram continuidade ao seu trabalho e foram ampliando o território dominado. O quinto sucessor do império mongol, Khublai Khan (1215–1294), instalou-se em Pequim e mudou o nome do país para Yuan, depois de aniquilar a dinastia Sung e de dominar toda a China, estendendo seu império até a península coreana. Khublai enviou, por diversas vezes, mensageiros ao Japão, o único país do Oriente a manter sua independência, com o intuito de subjugá-lo. Porém, Hôjô Tokimune (1251–1284), shogun dessa época, matou o mensageiro, atraindo a ira de Khublai, que atacou por duas vezes o Japão, em 1274 e 1281.
    Na primeira vez, Khublai Khan desembarcou com sua tropa na Baía de Hakata, província de Fukuoka, Ilha de Kyushu. O Japão teve dificuldades para conter os inimigos, porque os samurais não estavam preparados para um ataque em massa. Outro factor contra os japoneses era as armas de fogo da força inimiga, até então desconhecidas no arquipélago. Entretanto, um tufão dizimou a frota inimiga, facto que foi encarado como sorte pelos japoneses. No segundo ataque ao arquipélago, Khublai levou duas tropas, contudo, o Japão estava melhor preparado, pois tinham erguido uma muralha de pedra e defenderam-se bravamente do ataque inimigo. Além disso, mais uma vez o Japão foi salvo por um tufão e os soldados mongóis foram tragados pelas altas ondas do mar.
    Os japoneses denominam os tufões que salvaram o Japão da invasão mongol de kamikaze, ou seja, vento divino, pois passaram a acreditar que os deuses mandaram o vento forte para salvar o país. Apesar dessas derrotas, Khublai tinha planos para atacar novamente o Japão, mas eles não se concretizaram.
    De acordo com estudiosos, essa tentativa de invasão estrangeira estimulou a consciência nacional entre os japoneses, assim como o fortalecimento do senso de defesa do país em relação às nações estrangeiras.
    Os dois ataques mongóis fizeram com que os gokenin, os nobres e os monges empregassem muito dinheiro e esforço espiritual para defender os territórios japoneses, e o shogunato de Kamakura não dispunha de mais terras a serem distribuídas para aqueles que se destacaram na batalha. Dessa forma, cresceram as insatisfações e, em 1333, o clã Hôjô foi destituído por Ashikaga Takauji (1305–1358), que era um dos gokenin. Foi o fim o shogunato de Kamakura, que perdurou durante mais de 150 anos.

    Yoshitsune, Benkei e Shizuka-gozen
    Personagens históricas são muito queridos pelo povo japonês, quer pelos seus finais trágicos, pela sua ingenuidade e por defenderem seus princípios, mesmo diante das autoridades.

    Yoshitsune (1159~1189) e Benkei são figuras muito populares no Japão, sendo representadas exaustivamente no teatro Kabuqui. Isso deve-se ao gosto do povo japonês pelos personagens fortes, justos e que tiveram mortes trágicas.
    Ushiwaka-maru, posteriormente chamado de Yoshitsune, foi o nono filho de Minamoto-no-Yoshitomo, morto na Batalha de Heiji, vencida pelo clã Taira. A partir daí, os Taira tomaram o controle político do Japão, perseguindo ferozmente os descendentes do clã Minamoto. Assim, a mãe de Yoshitsune, que tinha origem humilde, refugiou-se em Yamato, voltando mais tarde para Kyoto, onde o garoto passou a infância. Tempos depois, ele foi mandado com seus dois irmãos para o Templo de Kurama, a fim de se tornarem monges.
    Os irmãos tornaram-se monges, mas Yoshitsune recusou-se a seguir esse caminho e, aos 16 anos, fugiu para Ôshu (região nordeste do Japão). Durante seis anos, ele foi protegido por Fujiwara-no-Hidehira e, quando soube que o seu irmão por parte do pai, Yoritomo, havia iniciado uma campanha para derrubar o clã Taira, resolveu unir-se ao irmão. Apesar da oposição veemente de Hidehira, Yoshitsune não cedeu. Assim, Hidehira designou dois de seus súbditos para acompanharem Yoshitsune na sua empreitada.
    Yoshitsune é conhecido por diversos episódios heróicos. Um deles é a Batalha de Ichi-no-Tani travada contra o clã Taira. Ele atacou a tropa dos Taira com mais de 70 samurais descendo o vale a cavalo por um declive quase vertical, por onde nenhum homem desceria em sã consciência. Com esse ataque surpresa, Yoshitsune conseguiu uma grande vitória, aumentando sua fama cada vez mais entre o povo de Kyoto e inquietando o seu irmão Yoritomo.
    Guerreiro sem malícia, Yoshitsune lutava apenas para vingar seu pai e para obter o reconhecimento do seu irmão. Entretanto, Yoritomo via-o como uma ameaça ao seu poder. O prestígio de Yoshitsune aumentava proporcionalmente à desconfiança de seu irmão, quando a família Taira foi destruída na Batalha de Dan-no-Ura, que teve a participação fundamental de Yoshitsune.
    Sem ambições políticas, Yoshitsune acabou vítima de conspirações e não soube dissipar a desconfiança de seu irmão. Alegando insubordinação, Yoritomo proibiu sua entrada em Kamakura, confiscou suas terras e iniciou uma perseguição a Yoshitsune.
    Durante a sua fuga, além de contar com a protecção constante de seu fiel súbdito, o monge Benkei, Yoshitsune foi ajudado por muitos simpatizantes. Ele procurou mais uma vez a protecção de Fujiwara-no-Hidehira, do poderoso clã da região de Ôshu, que faleceu em 1187. Em seu leito de morte, Hidehira pediu a seus filhos a destituição de Yoritomo, sob o comando de Yoshitsune. Porém, Fujiwara-no-Yasuhira, filho de Hidehira, temendo represálias, matou Yoshitsune, sob ordens de Yoritomo.
    Yoritomo, que ambicionava o domínio total do Japão apesar de Fujiwara-no-Yasuhira ter demonstrado fidelidade, enviou uma grande tropa para destruir o clã da região de Ôshu. Como a cabeça de Yoshitsune levou mais de 40 dias até chegar em Kamakura, espalharam-se boatos de que ele estaria vivo.

    Benkei
    O monge Benkei, fiel súbdito de Yoshitsune, nasceu na actual província de Wakayama, filho de pais nobres. Seu nome de infância era Oniwaka, literalmente jovem demónio, pois desde pequeno possuía uma força descomunal, sendo uma criança extremamente violenta. O seu pai, que era monge, preocupado com o futuro de seu filho, mandou-o para o Templo Enryaku, em Hieizan, Kyoto, a fim de iniciá-lo nos estudos religiosos. Porém, após vários abusos, Oniwaka deixou Hieizan e foi para Harima, onde, depois de combater um monge, incendiou o templo. Em Kyoto, o rapaz conheceu Yoshitsune.
    Embora Benkei seja uma personagem real, sabe-se muito pouco sobre ele. Apesar de existirem muitas versões sobre suas façanhas, dramatizadas nas peças de Kabuqui, Nô, etc., há pouco registo sobre sua vida. Mesmo sobre seu encontro com Ushiwaka-maru (mais tarde, Yoshitsune), há algumas versões. A mais provável é que eles se tenham encontrado no Templo Kiyomizu, e Benkei tenha simpatizado com Yoshitsune, tornando-se seu súbdito. No Templo Kiyomizu, há calçados e cajado de ferro usados por Benkei, tão pesados que só um homem de força descomunal poderia usá-los.
    Outro episódio muito conhecido, representado diversas vezes no teatro Kabuqui, é a morte em pé de Benkei, tentando proteger Yoshitsune. Há a lenda de que Benkei, na Batalha do Rio Koromogawa, tentando proteger seu senhor Yoshitsune, ficou de pé sobre a ponte, apoiando-se no seu cajado de ferro e impedindo o avanço inimigo, tornando-se alvo das suas flechas.

    Shizuka-gozen
    Shizuka foi uma dançarina do estilo de dança tradicional shirabyôshi, em Kyoto. Yoshitsune apaixonou-se por Shizuka quando a viu dançar, transformando-a em sua concubina.
    Quando Yoshitsune fugiu da perseguição do irmão, Shizuka foi levada para Kamakura junto com a sua mãe para ser interrogada sobre o paradeiro de seu amado, o que ela se negou a revelar.
    Yoritomo pediu a Shizuka para dançar e cantar, pois queria conhecer a arte que tanto encantava o povo de Kyoto. No inicio, ela recusou-se, mas, por persistência de Masako, esposa de Yoritomo, acabou cedendo, e dançou entoando o famoso poema que falava de sua paixão por Yoshitsune, facto que provocou a ira de Yoritomo.
    Shizuka permaneceu alguns meses em Kamakura e deu à luz um menino, filho de Yoshitsune, que foi assassinado por Yoritomo, apesar da intervenção de sua esposa Masako.
    Shizuka voltou para Kyoto e, segundo a lenda, faleceu jovem, com pouco mais de 20 anos.
    Yoshitsune, Benkei e Shizuka são personagens da história muito queridas pelo povo japonês, por sua alma pura, que toca à ingenuidade, pelos seus finais trágicos e por não cederem, mesmo perante à autoridade para defender seus princípios.

    Habitações da cidade medieval de Kamakura
    Alto nível cultural da classe dos samurais é comprovado pelas descobertas das escavações; guerreiros trajavam-se de forma simples e faziam uso de diversos utensílios na vida diária.

    A cidade de Kamakura tem uma localização privilegiada. De um lado, as montanhas; do outro, o mar, ou seja, um verdadeiro forte criado pela natureza. Na principal avenida da cidade, 30 metros de largura unem o mar ao Templo Tsurugaoka Hachiman, onde se adora o deus protector da família Minamoto. Ao longo dessa avenida, perfilavam-se as residências dos principais samurais e, perto do templo, erguiam-se os edifícios do shogunato. A família Hôjo possuía a residência principal de Kamakura e uma casa de campo na periferia da cidade.
    As residências dos samurais tinham, normalmente, cerca de 3.600 m2 e eram cercadas por valas ou muros de barro de forma quadrado ou rectangular. Excepto nos templos budistas, as telhas ainda não eram usadas. Dentro do muro, ficava a casa principal; nos fundos, o depósito e o estábulo, assim como alguns poços. Poucos recintos eram forrados com o tatame, a maioria tinha piso de madeira no chão.
    Observam-se algumas padronizações nos materiais de construção das residências. Esse tipo de construção era chamada de estilo samurai, ou seja, bukezukuri. Nas casas de campo, eram realizados saraus, festas e reuniões para jogar o sugoroku, um jogo de dados.
    Sanetoki Kanazawa, do clã Hôjo, dedicou-se à educação dos monges e dos filhos de samurais, construindo uma escola e uma biblioteca no terreno de sua casa de campo. Kanazawa importou sutras e livros com ensinamentos de Confúcio. Uma parte desse acervo resistiu ao tempo e pode ser vista ainda hoje.

    Trajes
    Os trajes dos samurais – chamados de kariginu – eram bem mais simples que os da nobreza e de fácil movimentação. O povo também, a exemplo dos samurais, trajava-se de forma simples. As mulheres não usavam junihitoe, os vários quimonos sobrepostos que as mulheres nobres vestiam. Elas usavam o quimono simples e leve chamado de kosode. Calçavam uma espécie de chinelo de palha chamado zôri; ou tamanco, chamado geta. As camadas menos favorecidas da população andavam descalças.

    Hábitos alimentares
    Os poços de uso do povo não eram cavados em terreno rochoso, eles utilizavam água de poços de terreno arenoso, com cerca de 2 metros de profundidade. A qualidade das águas da região de Kamakura não era boa. Há o registo de que a água era comercializada em carroças.
    Com o desenvolvimento das técnicas de escavações arqueológicas, podemos saber muitos dos hábitos alimentares do povo da época. Eles se alimentavam de: carne de veado, javali e texugo; diversos tipos de peixes; moluscos e crustáceos; cereais e frutas. As arcadas dentárias com desgaste dos dentes molares comprovam que os alimentos dessa época eram mais duros. Foram encontrados em escavações pratos, moringas, tigelas com sulcos (ralador) de cerâmica e, ainda, porcelanas importadas da China. As refeições eram feitas duas vezes ao dia. Como adoçante, eram utilizados mel, pó de caqui seco e cipó doce (amakazura). O hábito de tomar chá foi difundido pelos monges da seita zen-budista.

    Atividades literárias
    Utensílios e objectos tais como apetrechos para cerimónia do chá e objectos religiosos, como terço de contas, tabuleiro de gô (xadrez japonês) encontrados nas escavações indicam o alto nível cultural da classe dos samurais.
    Na escultura, destacam-se os nomes de Unkei (?–1223) e Kaikei (1183–1236), os dois maiores escultores da Era Kamakura que criaram estátuas (niou) para o templo Todaiji, em Nara. Ambos deixaram verdadeiras obras-primas desse período histórico japonês.
    Na literatura, foi compilado por Fujiwara-no-Teika (1162–1241), em 1205, a antologia de poemas Shin Kokin Waka Shû (Nova antologia de poemas oficiais), de 20 volumes. Os poemas são tecnicamente muito bem elaborados, prezando demais a estética. A antologia Hyakunin Isshu (Um poema de cem poetas) – apreciada durante muito tempo por nobres e samurais – também foi compilada por Fujiwara-no-Teika. O terceiro shogun, Minamoto-no-Sanetomo (1192–1219), por sua vez, deixou para posteridade a antologia de poemas de alto valor literário Kinkai Waka Shû (Antologia de poemas de um ministro de Kamakura).
    Não se pode deixar de mencionar o famoso romance Heike Monogatari (Contos da família Heike), uma obra-prima da era medieval do Japão. O enredo é centrado na glória e na decadência do clã Taira. As cenas de guerra são narradas com emprego abundante de kango (palavras de origem chinesa) e onomatopeias que dão ao texto maior dinamismo. A obra Heike Monogatari tornou-se conhecida no Japão todo devido aos biwa hôshi (espécie de menestrel ou monge de baixa classe, que ganhava o seu sustento narrando histórias ao som de instrumento de corda chamado biwa).
    Yoshida Kenkô (1283–1350) fala da vida dos samurais da região de Kantô, dos povos nómadas e da política em suas crónicas reunidas no livro Tsurezure-gusa (Crónicas de um ocioso). Ele critica o sistema político vigente, que leva o povo à miséria, obrigando-o a tornar-se fora da lei e ainda aplica penas por seus crimes.
    Outra obra de destaque dessa época, é Hôjô-ki (Diário de um eremita), de Kamo-no-Chômei, com suas expressões introdutórias muito conhecidas: “A correnteza do rio nunca cessa, e as águas nunca são as mesmas”, numa alusão à efemeridade da vida. As sutras e os textos de obras chinesas eram lidos em grande quantidade pelos monges que tinham ido à China para estudar.
    A Era Kamakura foi a época de transição, em que as artes, exclusividade da nobreza, passaram a fazer parte da camada dos samurais, dos monges e do povo em geral.

    Novo budismo em Kamakura
    Popularização do budismo facilitou o surgimento de seitas religiosas que tinham diversas particularidades e, em comum, a busca pela salvação.
    A Era Kamakura, liderada por samurais, caracterizou-se pelo surgimento de novas tendências religiosas e pelas intensas busca de apoio espiritual, levando o budismo até o povo. Até a Era Heian (794~1192), essa forma de religião era praticada quase que exclusivamente pelos nobres. Com a popularização da crença budista, entretanto, surgiram várias seitas denominadas “Novo Budismo de Kamakura”.
    O aparecimento de novas seitas foi impulsionado pela ideia de fim do mundo (mappô shisô) que se espalhou em fins da Era Heian, provocada pela instabilidade social – consequência da guerra entre os clãs Taira e Minamoto –, a miséria e as calamidades.
    Os monges Eisai (1141~1215) e Douguen (1200~1253) estudaram na China (Dinastia Sung) a seita Zen, que prega a meditação para atingir o nirvana e, quando voltaram ao Japão, fundaram respectivamente as seitas Rinzai-shû e Sôtô-shû.
    Shinran (1173~1262), discípulo do monge Hônen (1133~1212), fundou a seita Jôdo-shinshû e, na época do ataque dos mongóis, o monge Nichiren (1222~1282) fundou a seita Nichiren-shû, que pregava a salvação da alma e do país.
    Todas essas novas seitas têm em comum a simplicidade e a ausência de prática ascética rigorosa, tornando possível a qualquer pessoa o seu exercício para encontrar a salvação da alma humana.

    A seita Zen
    Rinzai-shû, facção da seita Zen, tinha características esotéricas, e seus monges eram vistos mais como uma espécie de curandeiros.
    A difusão da genuína seita Zen foi promovida entre os samurais com a vinda do monge chinês Rankei Dôryu, em 1247. Ele pregava o ensinamento do zen-budismo chinês seguindo à risca os seus preceitos, conquistando muitos fiéis entre os samurais, que tinham em comum a filosofia de vida austera e despojada de luxo.
    A seita Zen na China tinha o apoio da classe alta, tendo um conteúdo bastante elevado e de influência confuciana. Assim, mesmo no Japão, a seita Zen encontrou adeptos entre os samurais da classe alta.

    A seita Jôdo (Terra Pura)
    A seita Jôdo, que começou a se difundir entre o povo a partir de fins da Era Heian, adquiriu novo alento na Era Kamakura. Diferindo da seita Zen, que exige uma disciplina rigorosíssima, aos fiéis da seita Jôdo, bastava ter uma crença incondicional em Buda e rezar com todo o fervor para obter a salvação.
    O monge Shinran, fundador da seita Jôdo-shinshû, pregava a salvação de todos, seja malfeitores seja prostitutas. Provavelmente esse tipo de pregação conquistou também os samurais que viviam entre a vida e a morte. Esses guerreiros precisavam do ensinamento da seita Zen para se disciplinar, mas também precisavam acreditar que conseguiriam a salvação da alma após a sua morte. Assim, nos templos da seita Jôdo existentes em Kamakura, observam-se as influências da seita Zen; e nos de seita Zen, as influências da seita Jôdo.

    A seita Nichiren-shû
    O monge Nichiren, filho de um pescador de Awa (actual província de Tokushima, Ilha de Shikoku), estudou o budismo em Hieizan, Kyoto, e mudou-se para Kamakura a fim de divulgar o ensinamento da sutra de Hokekyô, o budismo Mahayana. Ele criticava duramente o ensinamento da seita Jôdo, que pregava apenas a oração, profetizando a invasão do Japão por uma nação estrangeira e a revolta desta. Essa profecia acabou se concretizando com a tentativa da invasão mongol e a revolta de Hôjo Tokiura. Porém, por causa das críticas ao shogunato e a outras seitas, Nichiren foi exilado para Izu e, mesmo após a amnistia e a volta para Kamakura, continuou com suas críticas, sendo novamente exilado, dessa feita, para a Ilha de Sado. Após sua segunda amnistia, dedicou-se à educação de seus discípulos no Templo Kuon, no Monte Minobu, província de Yamanashi.
    A seita Nichiren-shû é a única que leva o nome do seu fundador, demonstrando quanto ele era venerado por seus seguidores. Até hoje, os fiéis fazem romaria ao Monte Minobu, onde se encontra o seu túmulo, fato raro também na história do Japão.

    O grande Buda de Kamakura
    O gigantesco Buda de Kamakura, o segundo maior do Japão, feito de bronze com 11,5 m de altura, é envolto em muitos mistérios. Supõe-se que tenha sido construído por volta de 1252 por um escultor da linhagem de Unkei, grande escultor da Era Kamakura. Comparado ao grande Buda do Templo Tôdai-ji (cidade de Nara), o maior do Japão, ele possui feição mais suave e sua postura mais curvada causa a impressão de estar ouvindo atentamente as orações dos seus fiéis.

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    • #3
      História do japão - Eras 6, 7 e 8





      Era Muromachi

      Era de duas cortes e “Restauração Kenmu”
      O governo da Restauração Kenmu só durou dois anos e meio, pois surgiram divergências entre o imperador Godaigo, que priorizava os interesses da nobreza, e Takauji, que representava os samurais.

      Após meados da Era Kamakura, a família imperial travava uma disputa entre seus próprios membros pela divisão dos bens. Ainda entre os samurais, também havia muitos que estavam descontentes com o clã Hôjô. Aproveitando-se dessa situação, o imperador Godaigo (1288–1339) organizou uma revolta contra o shogunato de Kamakura em 1324, porém, a conspiração acabou por chegar aos ouvidos inimigos e fracassou. Sem esmorecer, em 1331, ele planejou outro ataque, mas fracassou novamente, sendo exilado para Oki em 1332.
      As tentativas de Godaigo não cessaram e, em 1333, o imperador conseguiu o seu intento e derrubou o shogunato de Kamakura com a ajuda de Ashikaga Takauji (1305–1358), que havia sido designado justamente para combater as forças revoltosas. O imperador Godaigo retornou a Kyoto e restaurou o poder imperial. Esse período foi denominado Restauração Kenmu, pois, em 1334, o nengô (era ou período) passou a chamar-se Kenmu. Esse governo durou apenas dois anos e meio, pois surgiram divergências entre o imperador Godaigo, que sempre deu prioridade aos interesses da nobreza, e Ashikaga Takauji, que representava a classe dos samurais. Eles entraram em conflito por causa da distribuição de terras e prémios.
      Os conflitos culminaram com a destituição do imperador Godaigo provocada por Ashikaga Takauji, que se instalou em Kyoto. Takauji estabeleceu as directrizes de seu governo, indicou um novo imperador e tornou-se shogum em 1338. Godaigo refugiou-se em Yoshino, província de Nara, ainda declarando ser o verdadeiro imperador do Japão. Dessa forma, coexistiram nesse período a corte de Kyoto e de Nara, facto que recebeu a denominação de Era da Corte Norte (Kyoto) e da Corte Sul (Nara), ou seja, Nanboku-Chô Jidai, pela sua situação geográfica. Essa era foi marcada pela disputa de poder e perdurou por quase 60 anos, até 1392.

      Início do shogunato Muromachi
      Para Ashikaga Takauji, o melhor mesmo seria instalar-se em Kamakura, base do clã Ashikaga, mas, preocupado com a revolta do imperador Godaigo, ele instalou-se em Kyoto, para conter o poder da Corte Sul.
      O período controlado pela família Ashikaga foi conhecido como Era Muromachi, devido à construção do palácio Hana-no-Gosho (Palácio das Flores), sede do shogunato Ashikaga (1336–1573), na cidade de Muromachi. O palácio foi construído em 1378.
      A cidade de Kyoto transformou-se em campo de batalha na época das duas cortes, quando a tropa da Corte Sul, liderada pelo nobre Kitabatake Chikafusa (1293–1354), tentou invadir a cidade de Kyoto, na tentativa de reverter a situação.
      Em 1352, o segundo shogum, Ashikaga Yoshiakira (1330–1367), outorgou a lei denominada hanzei-rei (lei da repartição ao meio), que repartia a metade das terras dos latifúndios (shôen) de propriedade dos nobres e templos por tempo indeterminado, transformando-as em feudos dos samurais. Com isso, Yoshiakira conseguiu, até certo ponto, fortalecer o poder do shogunato Ashikaga.
      O terceiro shogum, Ashikaga Yoshimitsu (1358–1408), iniciou o comércio com Ming (China) sob o título de “Rei do Japão”. O arquipélago passou a importar moedas de cobre e tecido de seda, exportando enxofre, cobre e espadas, obtendo grandes lucros. Essa riqueza fez com que florescessem as culturas Kita-Yama e futuramente Higashi-Yama. Iniciou-se ainda a economia baseada em dinheiro, com a moeda de cobre a circular no país. O facto de se observar o aumento dos casos de pagamento dos impostos em dinheiro significa que, nessa época, havia um mercado activo de compra e venda de arroz.

      Revolta dos camponeses
      O século XV foi marcado também por anomalias climáticas, ocorrendo em várias regiões do Japão o tempo frio atípico, a falta de alimentos e as epidemias. Principalmente durante o grande flagelo de 1461, houve cerca de 84 mil mortes só em Kyoto. Nessa época, houve várias revoltas de camponeses que ficaram conhecidos pelo nome de tsuchi ikki. Em 1428, por exemplo, houve, na região de Kinki, a primeira revolta na história do Japão reivindicando a amnistia. Com a péssima colheita, foram anos de verdadeiro pesadelo para os camponeses.
      O aumento do poder do povo, proveniente do desenvolvimento da agricultura, incentivou a luta pela diminuição da carga tributária. A falta de arroz e a consequente subida do seu preço fizeram com que os transportadores, também passando por dificuldades, se unissem aos agricultores. Esses factores, aliados aos juros altos cobrados sobre às dívidas, impulsionaram as grandes revoltas. A falta de uma directriz política firme por parte do shogunato Ashikaga durante esse período causou a sua queda após perdurar por 15 gerações.

      O rebaixamento da posição da mulher na sociedade
      A partir dessa época, a alteração da forma de casamento também mudou o lugar da mulher na sociedade. A mudança de muko-tori (marido passa a morar na casa da noiva) para yome-iri (esposa fazendo parte da família do marido) tirou das mãos do pai o controle sobre sua filha após o casamento. Dessa maneira, a divisão dos bens para a filha deixou de existir, rebaixando cada vez mais a posição sócio-económica da mulher.

      A era dos países em guerra
      Sucessão ao trono de shogum deu início à Revolta de Onin, que levou o Japão a um período de mais de cem anos de intermináveis batalhas.
      Quando Yoshimitsu, o terceiro shogum do clã Ashikaga, se instalou em Kyoto, no início da Era Muromachi, o Japão conheceu relativa paz e prosperidade, quebrados pela Revolta de Onin, que promoveu o surgimento dos sengoku daimiôs, literalmente, os senhores feudais dos países em guerra, que conquistaram o poder através da força, levando o Japão a mais de cem anos de intermináveis batalhas.

      A Revolta de Onin (1467~1477)
      A sucessão ao trono de shogum (supremo comandante dos samurais) foi o motivo da Revolta de Onin. Hino Tomiko (1440~1496), esposa do oitavo shogum, Ashikaga Yoshimasa (1436~1490), queria que seu filho Yoshihisa (1465~1489) fosse o ocupante do trono. Para isso, ela pediu ajuda ao shugo daimiô (comandante de segurança nacional) Yamana Mochitoyo, mais tarde, monge Sôzen (1404~1473).
      No entanto, Yoshimasa já havia designado seu irmão Yoshimi (1439~1491) como seu sucessor, já que seu filho primogénito havia falecido ainda criança, e o casal não tinha filhos há mais de dez anos. Porém, logo após Yoshimi ser designado sucessor, Tomiko engravidou e deu à luz um menino. Yoshimasa pediu ajuda a Hosokawa Katsumoto (1430~1473) – até então kanrei (espécie de primeiro-ministro) – para manter seu irmão como sucessor. Este conflito serviu como pretexto para que os dois grandes senhores feudais medissem forças pela conquista de maiores poderes.
      O saldo da Revolta de Onin para Kyoto foi péssimo, pois a cidade ficou em cinzas. Os dois líderes, Sôzen e Katsumoto, morreram por motivo de doença. Hino Tomiko, porém, enriqueceu durante a guerra, emprestando dinheiro aos senhores feudais mediante cobrança de juros. Além disso, a vontade da esposa de Yoshimasa prevaleceu, e seu filho Yoshihisa tornou-se o nono shogum do clã Ashikaga.

      Hino Tomiko (1440~1496)
      Filha de nobres, Tomiko casou-se com o shogum Ashikaga Yoshimasa aos 16 anos. Yoshimasa, então com 21 anos, já tinha várias concubinas e filhos.
      Tomiko é conhecida como uma das vilãs da história do Japão, por ter causado a Revolta de Onin, facto que levou o arquipélago a uma guerra de mais de cem anos, até a unificação do país, conseguida por Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi. A esposa de Yoshimasa não só foi uma das principais responsáveis pelo incidente de Onin, como também praticou agiotagem com daimiôs que vinham a Kyoto participar na revolta, e criou o imposto de trânsito para pessoas e produtos que entravam na capital. O imposto, uma medida abusiva, foi abandonado após a rebelião de camponeses, transportadores e comerciantes.
      Apesar de sua fama e de suas atitudes polémicas, Tomiko foi uma mulher forte e culta, que com sua fortuna sustentou a arte que floresceu nessa era e que perdura até os dias actuais. Embora tenha tido participação marcante no cenário político japonês, como mulher, Tomiko foi muito infeliz. Seu casamento não foi bem sucedido e também não teve sorte com os filhos. O seu primogénito faleceu ainda criança; o segundo filho, Yoshihisa, não foi bom nem como filho nem como político, mesmo com todos os esforços que Tomiko empreendeu para torná-lo shogum; o terceiro filho, a quem ela amou e depositou grandes esperanças, faleceu aos 16 anos. Mesmo Yoshihisa, com quem Tomiko não tinha boas relações, faleceu aos 25 anos.
      Aos 56 anos, Tomiko faleceu, seis anos após a morte de seu marido Yoshimasa, e depois de participar da sucessão do décimo shogum, Yoshiki, filho de Yoshimi.

      Sengoku-jidai – A era dos países em guerra (1467~1573)
      Enquanto os senhores feudais (shugo daimiô) lutavam em Kyoto, seus vassalos, que ficaram nos seus feudos, usurparam o poder, dando início a uma guerra entre os mais fortes para tentar a conquista do domínio do Japão suplantando seus superiores, ou traindo os amigos e parentes para adquirir mais poder e terras. Esses novos ascendentes eram chamados de sengoku daimiôs. Eles construíam castelos no alto da montanha, onde poderiam ter boa visibilidade em caso de ataque inimigo, mas normalmente moravam em casarões construídos na parte plana, no sopé da montanha, em torno do qual surgiram cidades.
      Dentre esses sengoku daimiô, destaca-se Oda Nobunaga de Owari (província de Aichi), um grande e frio estrategista, que destruiu um a um os seus inimigos, chegando ao cúmulo de mandar incendiar o Templo Enryaku-ji, porque os seus monges terem desobedecido às suas ordens.
      Em 1573, Nobunaga expulsou o décimo quinto shogum, Ashikaga Yoshiaki (1537~1597), de Kyoto, encerrando dessa forma a Era Muromachi.

      A chegada dos portugueses ao Japão
      Os países da península ibérica, Portugal e Espanha, viviam uma época de grande expansão marítima, com o navegador português Vasco da Gama chegando à India em 1498, contornando o continente africano; Cristóvão Colombo descobrindo a América em 1492, financiado pela Espanha; e o navegador português Fernão de Magalhães chegando ao Oriente atravessando o Oceano Atlântico, contornando a América do Sul e atravessando o estreito que hoje leva o seu nome, para atingir o Oceano Pacífico. Por fim, Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em 1500.
      Quarenta e três anos após o descobrimento do Brasil, em 1543, os portugueses chegaram à Ilha de Tane-ga-shima, ao sul da Ilha de Kyushu, levados pela tempestade. Eles foram os primeiros ocidentais que os japoneses conheceram. Nessa ocasião, os ocidentais transmitiram conhecimentos sobre armas de fogo como a espingarda aos japoneses. Como o arquipélago estava em guerra, esse novo recurso propagou-se rapidamente pelo país. Com o tempo, a espingarda passou a ser fabricada nas cidades de Sakai (província de Osaka) e Kunitomo (província de Shiga), pois os custos para sua importação eram muito altos.
      Coincidentemente, em 1549, no mesmo ano em que o jesuíta Manuel da Nóbrega chegou à Bahia, o também jesuíta Francisco Xavier chegou em Kagoshima, Ilha de Kyushu, para difundir o cristianismo. Muitos outros religiosos chegaram ao Japão, conseguindo converter até mesmo alguns daimiôs ao cristianismo.

      Cultura Kitayama e Higashiyama
      Arte japonesa tradicional foi sedimentada nessa fase da história do Japão; manifestações foram levadas a várias regiões por nobres e monges

      A consolidação e a elevação da qualidade da arte em muitas das suas formas, ocorreu na Era Muromachi. Manifestações culturais praticadas por nobres, samurais e pelo povo de uma forma geral sobreviveram ao longo do tempo e podem ser apreciadas até hoje. A cultura japonesa dita tradicional – cerimónia do chá (cha-no-yu), arranjo de flores (ikebana), pintura a nanquim (suiboku-ga ou sumiê), teatro Nô, etc. – sedimentou as suas bases nessa fase da história do Japão.
      O sumptuoso edifício dourado Kinkaku (pavilhão de ouro), construído pelo terceiro shogum, Ashikaga Yoshimitsu, em fins do século XIV, em Kitayama, ao norte de Kyoto, simboliza a glória do clã Ashikaga. Assim, as manifestações culturais dessa época são conhecidas como cultura Kitayama. Enquanto intermináveis batalhas aconteciam em Kyoto, o oitavo shogum, Yoshimasa, construiu, em Higashiyama, a luxuosa casa de campo Ginkaku (pavilhão de prata), indiferente ao sofrimento do povo. A cultura representada pelo edifício Ginkaku é conhecida como Higashiyama-bunka.

      Kinkaku (pavilhão de ouro) e Ginkaku (pavilhão de prata)
      O Kinkaku, construído pelo shogum Yoshimitsu em 1397, com a fortuna adquirida através do comércio com a China (Dinastia Ming), era totalmente folheado a ouro. Construção de três andares, sendo o piso térreo e o primeiro andar destinados à moradia e o segundo andar para culto religioso, possui uma estética simétrica harmoniosa. Após a morte de Yoshimitsu, segundo sua vontade, a construção foi convertida num templo budista denominado Rokuon-ji, embora seja popularmente conhecido pelo nome de Templo Kinkaku. Em 1950, o templo foi totalmente destruído pelo fogo, sendo reconstruído em 1955. O incêndio foi provocado por um jovem monge lunático, obcecado pela beleza arquitectónica do templo, facto que inspirou o romance “O templo do Pavilhão Dourado”, escrito por Yukio Mishima, em 1956.
      Por sua vez, o Ginkaku (pavilhão de prata), como diz o próprio nome, era para ser folheado a prata, o que não se concretizou por falta de verbas. Sua construção foi ordenada pelo oitavo shogum do clã Ashikaga em 1460, completando-se, porém, somente em 1482, devido à Revolta de Onin. O seu estilo arquitectónico, com o piso inteiramente forrado de tatami, presença de shôji (divisórias corrediças com caixilhos de madeira forrados com papel) e tokonoma (uma espécie de nicho com prateleiras para enfeitar com obras de arte), é o que há de mais representativo na construção tradicional japonesa da actualidade. As obras de arte para adornar o tokonoma fizeram florescer o suiboku-ga (mais conhecido por nós como sumiê) e o ikebana (arranjo de flores).
      Após a morte do shogum Yoshimasa, o pavilhão transformou-se no Templo Jishô-ji, porém é conhecido popularmente como o Templo Ginkaku.

      Suiboku-ga (Sumiê)
      Pintura em austero estilo monocromático, criada na China e introduzida no Japão durante a Dinastia Song (960~1279) e Yuan (1279~1368), encontrou grandes adeptos entre os monges da seita zen dos templos de Kamakura e Quioto.
      No século XV, o pintor Sesshu Toyo (1420~1506) criou um estilo japonês próprio, inspirado na pintura monocromática da China. A sua obra mais representativa é Ama-no-hashidate (1501, acervo do Kyoto National Museum).
      No fim da Era Muromachi, um novo género de suiboku-ga foi desenvolvido por artistas da escola Kanô. A escola Kanô foi iniciada por Kanô Masanobu (1434~1530) – pintor oficial do shogunato Muromachi – e continuada por seu filho Kanô Motonobu (1476~1559). O seu estilo mais decorativo e a sua sensibilidade plástica tiveram grande influência nos pintores das épocas posteriores.

      Ikebana
      Chamado também de kadô, ou seja, caminho das flores, teve origem nos arranjos de flores oferecidos durante a cerimónia budista. No século XV, desenvolveu-se a ponto de se tornar uma arte com estilo próprio. A selecção apurada das flores e vasos, a disposição dos galhos e a simetria entre eles e as flores têm distinguido esta arte da utilização das flores com simples intuito decorativo.Actualmente, no Japão, há cerca de 3 mil estilos, sendo os mais populares o Ikenobô, o Ohara e o Sogetsu.

      Teatro Nô
      Dos teatros exibidos até os dias de hoje, o Nô é o mais antigo do mundo. Nascido no século XIV, o teatro Nô preserva o que outros importantes teatros perderam: a origem ritualista, refletindo a visão do budismo. Normalmente, as personagens são fantasmas que completaram o seu ciclo de existência terrena e intermedeiam o outro mundo, o mundo divino, com o terreno. É um teatro misto de dança, drama e musical, cujo actor principal usa uma máscara.
      A transformação para os moldes existentes actualmente ocorreu na Era Muromachi, com o surgimento de Kan’ami (1333~1384) e seu filho Zeami (1363~1443), que tiveram a protecção do shogum Ashikaga Yoshimitsu. A filosofia de Zeami sobre os vários aspectos do teatro é seguida até hoje pelos actores do teatro Nô.
      O Kyôgen, comédia representada entre os actos de teatro Nô, também surgiu no início da Era Muromachi.

      Outras manifestações culturais
      Renga, poema criado em grupo, ou seja, uma primeira pessoa cria os versos formados por 17 sílabas (5, 7 e 5 sílabas) e a seguinte prossegue, com versos de 14 sílabas (2 versos com 7 sílabas cada), e assim sucessivamente até criar cem versos, foi transformado numa arte literária de alto nível pelo mestre Sôgi (1421~1502), que criou uma série de regras complexas.
      Da Era Muromachi até início da Era Edo, foram escritos contos denominados otogi-zôshi (literalmente, colectânea de contos de fadas), popularizando cada vez mais a cultura. Entre esses contos, existem muitos que são conhecidos até os dias de hoje, como por exemplo, o Issun-bôshi, no qual um rapaz do tamanho de um polegar salva uma princesa dos demónios e cresce graças ao mágico uchide-no-kozuchi (martelo encantado), versão oriental do conto de fada, casa-se com a princesa e vivem felizes para sempre. Este conto mostra bem os anseios do povo que nunca mudam nem no tempo, nem no espaço.
      As manifestações culturais dessa época foram levadas a várias regiões do Japão pelos nobres e monges que procuraram abrigo entre os clãs regionais para se refugiarem da Revolta de Onin, que devastou a cidade de Kyoto.

      Tempos de piratas, comércio e expansão
      Período é marcado pela violência dos wakô, os temíveis piratas japoneses, e pela intensificação das relações comerciais com países vizinhos

      Em fins do século XIV, época em que o shogunato de Muromachi consolidou o seu poder, o Leste Asiático sofria intensas transformações. E uma das causas, embora indirecta, dessas transformações ocorreu devido à actuação dos temíveis grupos de piratas japoneses denominados pelos chineses e coreanos de wakô.
      Wakô, os piratas japoneses
      Os wakô viviam na região norte da Ilha de Kyushu e nas redondezas da Baía de Seto. Com frotas que variavam de 3 a 500 navios, invadiam terras vizinhas e queimavam casas, matando todos aqueles que tentavam resistir. Outra prática constante era a pilhagem de bens e o sequestro de homens, mulheres e crianças.
      Os ataques frequentes dos piratas contribuíram para a decadência do reino de Kôrai (Coreia). Em 1392, Yi Song-Gye (1335~1408) conseguiu expulsar os wakô das terras coreanas, derrubar o reino de Kôrai e fundar a dinastia Yi (1392~1910). O comércio entre Japão e Coreia iniciou-se quando Yi enviou uma carta para Ashikaga Yoshimitsu (1358~1408), solicitando o combate aos wakô e o comércio entre as duas nações, no que foi prontamente atendido pelo shogunato japonês.
      A queda da dinastia Yuan na China, em 1369, também impulsionou o rigor no combate aos wakô. A dinastia Ming, sucessora de Yuan, proibiu o comércio privado e permitiu o comércio internacional apenas com os países que tinham acordo com o reinado Ming.
      Os wakô readquiriram força com o enfraquecimento do shogunato de Muromachi. As suas pilhagens continuaram até a unificação do Japão por Toyotomi Hideyoshi.

      Comércio com a China e a Coreia
      A actividade comercial entre Japão e Coreia foi muito rica. Entre os produtos vendidos pelo arquipélago, estavam cobre, enxofre e artigos dos mares do sul, como pimenta, medicamentos e plantas perfumadas, trazidos pelos navios mercantes de Ryukyu (actual Okinawa). As compras consistiam em tecidos, principalmente o algodão, que os nipónicos não produziam. Nessa época, os japoneses usavam roupas feitas de tecido de cânhamo. Como o tecido de algodão era mais eficiente no Inverno que o de cânhamo, tornou-se um item muito apreciado no Japão, com importações em grande quantidade e forte influência nos hábitos do povo do sol nascente.
      No início, as transacções comerciais eram feitas em Hakata, cidade ao norte da Ilha de Kyushu. Entretanto, durante a Era Muromachi, duas cidades cresceram rapidamente: a própria Hakata e Sakai, situada na Baía de Osaka.
      O dazaifu, repartição do governo central para cuidar de assuntos diplomáticos com a China e a Coreia, bem como para defender o Japão dos ataques inimigos, estava instalado na cidade de Hakata desde tempos antigos. No entanto, com o passar do tempo, a cidade prosperou com o comércio de importação e exportação, o que a tornou alvo de disputa entre os daimiôs, os senhores feudais da época.
      Já Sakai não passava de um pequeno povoado, que servia de estalagem para os romeiros a caminho de Kumano. Entretanto, a Revolta de Onin, ocorrida no início da Era Muromachi, foi um estímulo ao crescimento da cidade, pois, nessa ocasião, muitos nobres procuraram refúgio no local, que passou a receber também as sacas de arroz cobradas como tributo, fazendo de Sakai uma importante cidade portuária.
      O comércio era feito com as moedas de cobre importadas da China. No entanto, devido a escavações arqueológicas, descobriu-se que muitas moedas que circularam nessa época eram falsas e foram produzidas em Sakai. O facto de essas moedas falsas, fabricadas em grande escala, terem circulado sem problemas, mostra o poder dos comerciantes, capaz de calarem até mesmo as leis, que previam rigorosa punição para tal infracção.
      Tanto Hakata como Sakai prosperaram, a ponto de conseguirem manter uma certa autonomia e paz, indiferentes às guerras travadas entre os senhores feudais. Com seu poder económico, ambas fizeram florescer manifestações culturais como a cerimónia do chá, os poemas japoneses – Waka e Renga –, o teatro Nô, entre outras.

      O reino de Ryukyu
      O arquipélago de Ryukyu foi habitado desde tempos remotos. No antigo livro de história do Japão, consta que o país havia recebido visitas de representantes das ilhas do sul por volta dos séculos VII e VIII. No Zuisho, o livro de história da China de 636, também há a citação de Ryukyu como sendo um país fora do domínio chinês.
      Por volta do século XII, o surgimento dos clãs regionais, denominados Aji, afeta a relativa paz em que viviam os ilhéus. Lutando entre si, os Aji construíam fortes chamados gusuku.
      A ilha principal de Ryukyu ficou sob o domínio de três grandes clãs – Sanboku, Sannan e Chûzan –, cujos líderes se declararam reis no século XIV. Essa era de três reis continuou até o shogum de Chûzan, Shô Hashi, unificar o país e instituir o Reino de Ryukyu, no início do século XV. O clã Shô conseguiu fazer com que o país prosperasse por meio do comércio com nações vizinhas, subordinando-se à dinastia Ming (1368~1644). A rota de comércio do Reino de Ryukyu expandiu-se das ilhas do Sudeste Asiático até além do Estreito de Málaca, com o comércio de diversas mercadorias como marfim, especiarias e cavalos.
      Com a perda de poder da dinastia Ming, em meados do século XVI, comerciantes chineses e japoneses passaram a desenvolver comércio directamente com o Sudeste Asiático. Para o reinado Ming, tornou-se difícil controlar o tráfego dos navios pelos mares e desenvolver o comércio exterior. Assim, o Reino de Ryukyu também começou a declinar.

      O povo de Ezo
      Ao norte do Japão, habitava um povo que não se submeteu ao poder da corte de Yamato, denominado ezo ou emishi. Entre os séculos XIV e XV, esse povo atravessou o Estreito de Tsugaru e habitou o sul de Hokkaido. Eles eram conhecidos como wajin pelos ainos, os nativos da ilha. À medida que os wajin adquiriam poder, surgiam conflitos com os ainos. Em 1457, aconteceu uma rebelião dos ainos contra os wajin, comandada por Koshamain ( ? ~ 1457). O episódio foi contido pela tropa japonesa, e seu o líder foi morto numa emboscada.
      Pode-se dizer, assim, que a Era Muromachi coincidiu com a época em que o mundo despertou para a expansão externa.

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